segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Provérbios dos judeus espanhóis (séc. XVI?)

Refranes ó proverbios españoles de los judios españoles

 

No hay mejor espejo que un amigo viejo.

Quien no da migas, no tiene amigas.

Paciencia, piojo! que la noche es larga.

Quien vive esperando, muere cagando.

Quien buen caballo tiene, á pé camina.

De un carnero no se quitan dos cueros.

Hija en casa, papona y haragona [preguiçosa].

Por despecho [desprezo] de mi mujer, mi la corto.

No mi llores pobre, llora mi sola.

El Dios da barba al que no tiene quejada.

La ventura de quien la procura. 


"Biblioteca espanõla-portgueza"

https://archive.org/details/bibliotecaespa00kaysuoft/page/132/mode/2up?q=Coimbra&view=theater

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

S. Joãozinho

Entre incensos de churrasco

e foguetes de cerveja,

no alto do seu andor

S. Joãozinho boceja. 

Começa a falar sozinho,

ali parado ao calor,

à espera da procissão:

"Então, isto arranca ou não?"...  

A seu lado o bom cordeiro,

seu perfeito companheiro,

sorri, calado e suave.

"Que cordeiro mais borrego

nem sequer responder sabe!!"

irrita-se o S. João.

Não terá jamais sossego

nem que o caruncho se acabe,

e a culpa é da procissão.

"Então, isto arranca ou não?..."

domingo, 15 de maio de 2022

Da rua do Convento ao Bairro Novo

Pela Rua do Convento
sobem as velhas para a missa,
cada pêlo uma vibrissa,
saliva aos cantos da beiça,
salve-rainhas em pingo,                                                                                            
às dez da manhã, domingo.
 
A minha avó tem pena delas.
As Ornelas foram ricas,
as Barrosão ainda o são,
a mais baixinha ensina
a doutrina às crianças.
Nenhuma das três Parrancas
casou. Mas muito pior ficou
a Berta Araújo cujo
marido fugiu com outra.
Sabe-se lá se ela passa
necessidades.

As velhas ficam para trás,
a papar missas
e terços de mistério
em mistério,
não vão como nós
ao Bairro Novo,
à pastelaria Império
à procura dum bolo furado
por chantili cor de rosa.
Eu como o bolo
e a minha avó paga,
engolindo em seco de felicidade.
 
Outra versão:


Vão à nossa frente as Seixas  
com as beiças a escorrer
salve-rainhas em pingo
porque é outra vez domingo.
 
A minha avó chama-lhes
"raparigas do meu tempo."
Embicam para o convento,
sobem a custo as escadas.
Bem nascidas, mal fadadas,
coitaditas, com bigodes
frisados à rei Herodes,
missais, malinhas de mão...
A mais velha já foi rica
e a outra já foi bonita,
casada com um capitão
dos barcos do bacalhau.
Upa degrau a degrau
para o alto onde se alcança
toda a bem-aventurança.
 
Quanto à minha avó e eu,
aceleramos, vamos
ao Bairro Novo que é dia
de pastelaria Império
com bolo de creme rosa,
poesia sobre prosa.
O sabor do seu corante
lambido pela rua fora
ainda me dura agora.

sábado, 10 de julho de 2021

Ponte romana de Góis














Ponte velha da Cabreira
onde as cabras velhas vão
na Páscoa por devoção
marchar em fila indiana
(e há sempre uma que lá fica
reservada para chanfana).

Ponte velha da Cabreira,
sobre o rio Ceira, em Góis,
passam  os bois dois a dois
e os borregos seis a seis,
a caminho de Coimbra
para se formarem em Leis.

Vão pisando as lajes gastas,
uma a uma até ao fim,
e quando alcançam a estrada
já sabem falar Latim!

 
A foto é da minha amiga Teresa Relva, o menino é o seu neto Charles.
Blog This and That (relvateresa.blogspot.com)

 


segunda-feira, 5 de julho de 2021

O bote inflável

Num bote inflável laranja,
cor da paixão e do medo,
passei a foz do Mondego
sem bóia de salvação.
 
Aos vinte anos quando o verão
nos agarra, bate forte:
tudo em nós se desarranja
e amar é perigo de morte.
 
Se eu me tivesse afogado
ali à boca da barra
por tão mal saber nadar,
o meu corpo iria ao mar,
mas a alma ficaria
com o dono da embarcação
que era o meu primeiro amor,
olho azul, bom nadador.





"Primeiro amor" 

Pintei-o na parede da minha cozinha. 74x70

terça-feira, 25 de maio de 2021

Tigre triste


 
                                               Tigre marchant vers la droite, Alexandre-François Desportes (1661-1743)

Maio 2021. 

Ao procurar uma ilustração para o poema Na Terra dos Tigres, deparei-me com este tigre emoldurado. Lembrou-me de imediato a minha mãe, que uns dias antes tinha sofrido de alucinações visuais causadas pela perda de visão (síndrome de Charles Bonnet). Este poema é pois dedicado à minha mãe.

Tigre preso na moldura
e com o rabo entalado
só olha em frente à procura
da saída para o passado.
Finge avançar como dantes
mas cola as patas ao chão.
Nada pode, está cercado
por imagens delirantes.
Que susto surdo lhe dão, 
a escorrerem pelas paredes
de nenhures para nenhum lado
como o tempo emoldurado.
 

Jan. 2022

Oito meses depois das primeiras alucinações visuais, a minha mãe já aprendeu a lidar com elas. Diz que não pode dar-lhes confiança. Se acontecem de noite, levanta-se, vai à janela ou então à cozinha beber água; se acontecem de dia, ela inicia uma nova actividade -- melhor ainda, sai de casa, pois fora de casa as alucinações nunca ocorrem.
Ultimamente tem recomeçado a tomar notas no seu caderno diário: saúde, pequenas despesas, telefonemas recebidos, coisas assim. Para conseguir dominar o varrimento da vista, usa  grossas linhas pautadas. A tarefa leva-lhe muito tempo, à luz branca fortíssima do candeeiro de mesa.    

17 Jul. 2023

A minha mãe está internada num lar, depois de no ano passado ter dado uma queda e ter sido operada. Moro perto, posso visitá-la todos os dias, tornámo-nos tão próximas como quando eu era uma menina a aprender a andar. 
Ela adaptou-se bastante bem à sua nova vida. De cá para lá no corredor, a manobrar o andarilho de 5 rodas... Alguns empregados chamam-lhe carinhosamente "Dona Crespo". Vou passar a referir-me a ela com esse nome.
A D. Crespo já desistiu de ver televisão. No entanto é suficientemente rija para voltar a tentar escrever. Recentemente conseguiu assinar o seu nome no notário, sem se dar conta de que cada um dos seus apelidos singrava tacteando para o alto da página.  No final, depois de todas as pessoas presentes a felicitarem, foi ao café beber uma água das Pedras.

 

13 janeiro 2024

Corrigi mais uma vez o poema "Tigre".

Agora as alucinações da D. Crespo tornaram-se raras. Ela não ousa falar em melhoria. "Até pode dar azar."

16 para 17 fevereiro- Noite com visões incessantes, "disparates". "Já não sabia o que fazer".   

18 fevereiro 2024

No jardim do lar, num intervalo da passeata com o Ferrari de 5 rodas, a minha mãe tem uma "coisa boa" para me contar: de madrugada conseguiu ler notícias de jornais, escritas na parede do quarto. Leu-as "nitidamente". Lembra-se por exemplo da palavra "estudantes". 

-- Fiquei tão feliz que nem imaginas. 

Tenho pena de a desiludir: 

-- Mãe, não há jornais na parede do teu quarto...

 Ela apercebe-se imediatamente do seu logro. 

-- É o teu cérebro a querer consolar-te, é como nos sonhos, mãe, como quando tu ou eu sonhamos com a avó viva.

-- Sonho tantas vezes -- diz ela. 

Combinamos que ela não falará a ninguém das suas visões e sonhos, para não correr o risco de a julgarem senil. De mãos dadas, sentimo-nos protegidas por Charles Bonnet, o misericordioso, que inventou um síndrome para nós. 

De novo ela passeia entre os canteiros -- e nos intervalos estuda comigo a Balada da Neve, quase rememorizada após 85 anos de inatividade. Quando não se lembra das palavras exatas, a D. Crespo substitui-as por sinónimos, sem se deixar guiar pela rima. Chamo-lhe "sua grande batoteira".  

De regresso ao quarto, quer experimentar se consegue ler. Dou-lhe uma embalagem de Halibut. Em várias tentativas, acerta em duas letras maiúsculas. Desiste. 

- Olhe, dona-- digo-lhe eu --, a senhora conduz o seu Ferrari, faz a sua vida, é independente, não esbarra com ninguém, come sozinha, faz chichi sozinha... Só não pode ler nem ver televisão, pronto. Pior estão as suas amigas, todas a fazer tijolo enquanto a senhora anda por cá a comer papas de chocolate logo de manhã.   

17 junho 2024

A D. Crespo foi-se abaixo no sábado passado. Ao meio dia não a fui encontrar sorridente, sentada à pequena mesa do seu quarto, de popa feita e avental a servir de babete, à espera do almoço que eu lhe traria. Estava encolhida no cadeirão, embrulhada em mantas, sem a dentadura posta (coisa inabitual). Não tinha forças para nada. E ainda parecia mais surda que de costume. Não entendia as coisas que eu lhe dizia ao ouvido, respondia com pedaços de frases desajustadas. Eu agia com calma, mas estava apavorada.

Quando voltei, à tarde, a D. Crespo já estava um pouco melhor. Tinha tido a sua sessão de massagem para bebé -- simples movimentos suaves, repetidos por todas as zonas dolorosas do seu corpo, terminando no rosto numa epifania de salão de beleza. A massagista não é profissional, é apenas uma empregada doméstica que faz horas extra. Uma pessoa boa.

No domingo, a D. Crespo já circulava de novo no corredor. Estava só constipada. A sua pobre silhueta hesitante, vista de trás, desolava-me.

Hoje, segunda-feira, estando ela em forma após mais uma sessão de massagens, reensaiámos o "Sonho que sou um cavaleiro andante". Difícil. Alguns versos esboroavam-se, afocinhavam, afundavam-se e a D. Crespo tinha de saltar sobre o vácuo para alcançar os outros versos que já iam lá para a frente. Mesmo assim, gostou de declamar o soneto. Muito animada pela ideia de ir comer ao jantar o requeijão e ovo cozido que eu lhe trouxera. 

Saí deixando-a a fazer mais um circuito no autódromo do corredor. Cá fora choviscava. Esperei pelo autocarro sentada num degrau, em riscos de sujar as minhas calças brancas. 

De volta a casa, surpresa: interior morno como se houvesse aquecimento central! 

segunda-feira, 10 de maio de 2021

A ponte


 
 
 
Ó ponte sem parapeito,
banquinho duma giganta,
a água correndo escassa
e a sede das ervas tanta...
 
Quem para a outra margem passa
e te acena à despedida,
deixa no vão do teu arco
as sombras da sua vida. 
 
Segue ligeiro, sozinho,
a cantar, de flor ao peito.
O mundo é largo e o caminho 
faz-se melhor a direito.
 
Ilustração da autora

sexta-feira, 22 de maio de 2020

O geógrafo (Vermeer)


Perdi o norte

durante uma chuvada de Maio.

O mundo cheio de pressa,

ciganos a arrumarem carroças para partirem.

E eu à procura,

à procura,

o cabelo crivou-se-me de farpas

de palha.

A luz pela janela,

a grossura sem sentido

do vidro...

Só o compasso na minha mão direita

me equilibrava.

Sonhador

Ao luar da noite pênsil,
entre imagens vagabundas, 

passo a passo o sonhador

deixa sumir nas profundas

do abismo um cabelo, um pêlo,

um pedacinho de pele.

Sorrindo vai, não lhe importa

perder a bagagem morta.

E de manhã, quando acorda,

já outra margem o chama

e a noite passada é

cotão debaixo da cama.  

 

Outra versão:

O Funâmbulo Sonhador

Sonhador da noite pênsil,

sonhador do Canto IX,

que vais de imagem em imagem

sobre uma corda de sono:

a cada passo que dás,

deixas ficar para trás

um fio, um cabelo, um pêlo,

um pedacinho de pele...

Ei-los girando pelo abismo,

minúsculos pontos em chama...

Amanhã hão-de ser só

cotão debaixo da cama.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Cão do quintal

-- Que fazes aí, ó cão,
há tantos anos deitado
ao lado da laranjeira?

-- Vigio as bermas da estrada,
viajantes à poeira
duma lua esburacada...
Onde será que elas vão?
Deixo-as passar, não lhes ladro,
não quero inquietar o sono
do meu dono.



Jan Fyt
Chien couché à la chaîne
Musée du Louvre

sábado, 13 de março de 2010

Seis da manhã

Para começar bem o dia,
antes que o dia me veja,
ponho-te aqui de bandeja
a meu lado,
rosto de amor,
extenuado.
Hoje o teu corpo,
onde quer que ele esteja,
vai ter de se erguer sozinho,
respirar sozinho,
sair sozinho,
e tudo lhe vai parecer estranho,
estranha a luz, estranho o tamanho
do caminho.

Café da doca

Dezembro à beira do cais, 

Mondego alto, jornais, 

e alguém chamando da porta, 

casacão de vento em popa, 

alma e vapor pela boca.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Porcelana

Já bebi canja por chávenas,
há chávenas que aturam tudo:
gelo, quentura, pires sujos,
vitrinas, pevides, gripes,
lágrimas, baba em canudo,
tudo,
à espera do dia-não
em que nos caiam ao chão.

Chávenas

As chaveninhas da avó
são como as chávenas da feira,
aninham-se-nos na mão
da mesma inquieta maneira.

Todas elas são de saldo,
nunca a salvo,
todas vêm do desterro
e trazem no aro fino
um óculo cego, um destino,
um erro.
Anjos de uma asa só,
leve penugem de pó.

domingo, 10 de maio de 2009

Regra

Para publicar poemas de amor,
a regra é esperar 5 anos.
Ao fim dos 5 anos,
os que servirem para letras de fado
conservam-se.
Os outros rasgam-se,
muito bem rasgados,
e enterram-se,
mas não pode ser ao pé dum canavial.

domingo, 3 de maio de 2009

Horas

Sou pequena, 

finjo que ainda não acordei. 

"-- Oito horas", 

chama a minha mãe. 

 O quê? Não quero horas todas juntas, 

às oito, às doze, 

às dez de cada vez!! 

 "São horas", repete ela. 

Ah, assim está bem.

terça-feira, 28 de abril de 2009

A mula romana

Ofereceu-me o Papa
a Dom Frei Bartolomeu dos Mártires,
arcebispo de Braga.
Fê-lo por graça,
para reunir na mesma imagem
um homem feíssimo
e uma besta fermosa.
Porém, o arcebispo trocou-lhe as voltas.
Traz-me à carga desde manhã até à noite,
a acarretar lenha, pipas, sacas...
Quando me encontra
dá-me palmadinhas,
todo ele balbúrdia,
olhos tortos, pulgas à luta.
Trata-me por vós, por troça,
como se isso me pudesse ofender:
"-- E vós, Águia, cuidáveis
que havíeis de ser cá privilegiada?
Mal vos enganastes,
que na casa do pobre todos são pobres,
e não come senão quem trabalha".
"Cala-te, zarolho!",
respondo-lhe eu em pensamento.
Desmaiar nos trabalhos
não é para corações briosos.
Sou fermosa em passeio
e fermosa em corpo,
fermosa sempre até ao fim,
peça de príncipe. 

Águia, mula romana, chegou a Braga na década de 1570. ( Frei Luís de Sousa, A vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, introd. de Aníbal Pinto de Castro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, pp. 636-637). Deve ter sido por essa época que o arcebispo humilhou longamente em público uma paroquiana que assistia a um seu sermão. A mulher saíu da igreja desfeita em lágrimas; mas talvez depois tenha conseguido arranjar dentro de si força para resistir e sobreviver, tal como faz neste poema a mula Águia.

O mais antigo retrato do Arcebispo, datado de 1590:

A caminho de Itália

"Não nos podemos disfarçar,
por mais que façamos",
constatou o capitão Alonso de Contreras
quando o prenderam
vestido de peregrino,
frente às muralhas de Jalons.
Ele não estava a fazer nada de mal,
fitava as corcovas das torres.
Enquanto se defendia à bordoada,
o bordão oco partiu-se,
caíu a espada
escondida lá dentro.
Levaram-no de rastos para a masmorra.
"-- O porco do espanhol é espião!..."
Em caminhos compridos
sempre há descontos
e estrondos.

(Baseado na Vida do Capitão Alonso de Contreras
(1582-1633), Teorema, Lisboa, 2006, p. 117)

Vista antiga de Châlons: 


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1f/Profil_ville_chalons_jean_boisseau_TGF82_d%27apr%C3%A8s_chastillon.jpg


sexta-feira, 24 de abril de 2009

Meu amor

Meu amor, não te respondo. 
Escondo as cartas num dossiê 
e aguardo que tudo passe 
e me passes como a face
da lua, de D a C. 
Lá por fora há pinheirais, 
areias de vidro ao vento 
e um rio em escamas sedento
de ti que não voltas mais
nem que eu morra. 
Tomara chuva em tesoura, 
da mais grossa, da que estoura...
O que está feito está feito, 
corto por mim a direito.

sábado, 18 de abril de 2009

terça-feira, 17 de março de 2009

Álea

De manhã três dúzias
e à tarde outras três
dúzias de tílias plantadas
ao longo de um cordel esticado,
enquanto o capelão velho vigiava da janela.
Para o jardineiro, soltar aquele cordel
foi soltar a alma: "Ah!"
A mata ao longe, em muralha,
sustentava todo o entardecer.
Caminhando de costas para o palácio,
com a meada de cordel no bolso,
o jardineiro lembrou-se da mulher,
baixinha ciciosa, de roca à cinta.
Ainda antes de ele entrar em casa,
logo que os cães dessem sinal,
ela despejava água quente na selha,
para ele lavar os pés em frente ao lume.

O capelão ainda continuava à janela,
tentando encostar a testa à vidraça
sem encostar também o nariz.
Aquelas tílias durariam séculos,
caso resistissem a incêndios, pragas, nevões,
tropas invasoras
e dívidas de jogo.

A cobra, o milhafre e o boi

Cobra nova deixa um rasto
de brilho por entre o pasto.
Desce do alto o milhafre,
fugir-lhe é que ela não pode,
ainda não sabe. O chão explode, 
a terra acaba, o céu dói.
O boi velho ali ao lado,
treme de espanto, está gago:
"Raio da cobra, carago!"
Sente-se fraco das pernas
e as luzes por entre as ervas
lembram-lhe manchas e trevas.

No quintal

No quintal ao meio-dia
não são as nêsperas frescas
que atraem vespas,
são as nêsperas do chão.
Por serem doces caíram,
foram tocadas pelo Verão.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Almas

Alma de cão cheira a cão
e alma de gato a gato,
mas alma de gente cheira
como a do rato a sovaco,
a medo azedo, a buraco.

Passeio à Floresta de Perrault

Lá para trás houve um momento

em que o bosque ensurdeceu 

e se fez lento. 

Mas nós não demos por nada. 

Enganámo-nos na estrada, 

estamos na cova dum dente 

e o céu quente que nos cobre 

é o da boca do Ogre.